Novo single do
álbum BaixAfrikaBrasil, de Da Ghama, “Não Basta Ser Rasta” celebra os 30
anos de carreira do cantor e guitarrista, um dos fundadores do Cidade
Negra, e também sua longa amizade com a banda Tribo de Jah. Composta por
Fauzi Beydoun e lançada originalmente em 1996 no álbum Ruínas da
Babilônia, a canção, que já era um clássico na voz de Zé Orlando, agora
revive na interpretação de Da Ghama, admirador dos maranhenses desde a
primeira hora:
“A
gente vem seguindo junto faz muito tempo, mas faltava uma parceria de
peso. E ‘Não Basta Ser Rasta’ tem um significado especial pra mim,
porque trata de algo fundamental, nos conscientiza pra ir além das
aparências, não tomar ninguém apenas pela embalagem.”
BaixAfrikaBrasil
tem outros clássicos do reggae brasileiro, como “História do Brasil”,
de Edson Gomes, “Pique Natty Dread”, do Planta e Raiz, e “Falar a
Verdade”, carro-chefe do disco que lançou o Cidade Negra em 1991. Traz
também participações especiais de Lanna Rodrigues (The Voice Brasil),
Serjão Loroza, As Martinhas (filhas de Martinho da Vila), Fernando
Magalhães (Barão Vermelho), todos e todas à vontade no som de Da Ghama e
sua histórica preocupação com as questões humanas, sociais e
ambientais.
Ritmo e mensagem
O
reggae apareceu no Brasil ainda no início dos anos 1970 e, tijolo por
tijolo, tomou a música brasileira. Depois que Gil ganhou as paradas com
“Não Chore Mais”, aí mesmo que pegou fogo. Artistas chamavam a atenção
pra isso quando davam entrevistas sobre seus novos discos: “Ah! Tem um
reggae também!” Apesar dessa influência massiva, o contato era quase
sempre superficial, epidérmico, mais afeito ao ritmo do que à mensagem –
aspectos indissociáveis na cativante invenção musical dos jamaicanos.
Isso
mudou no início dos anos 1990. Com sua identidade já bem forjada por
aqui, o reggae começou a ocupar espaço no mercado, ganhando destaque nos
palcos e chamando a atenção das gravadoras. É quando surgem Cidade
Negra e Tribo de Jah, bandas que concretariam a estrada pra tudo que
estava por vir, fazendo músicas com letras francas, reveladoras da rude
realidade das periferias e das palafitas. Os quase 3 mil quilômetros que
separam Rio e São Luís não impediram os encontros e a troca de
experiências. Da Ghama lembra bem:
“Fomos fazer uma série de shows
em campanhas políticas do Maranhão e a Tribo estava junto. Rodamos o
estado em turnê naquele começo dos anos 90, convivemos, nos conhecemos
melhor, foi muito legal. Os anos se passaram, a gente sempre falando
deles, eles sempre falando da gente, e seguimos na mesma vibe, esse
carinho todo.”
A ideia de gravar uma música da Tribo de Jah era antiga:
“Nos
encontrávamos pelo país participando de festivais e dividindo palcos,
mas eu sentia falta de uma conexão mais direta. Sempre fui da
militância, sigo em busca da ‘verdadeira verdade’, e a Tribo também,
sempre foi muito dessa base. Minha identificação com o Fauzi, portanto,
vem desde o começo. A gente ficou muito brother, uma aproximação que
melhorou com a chegada da internet. Mas eu sentia falta de compor junto,
de um gravar a música do outro.”
O cabelo não conta
“Não Basta Ser Rasta”, segundo Da Ghama, é uma canção emblemática:
“A
mensagem me faz lembrar uma frase de Malcolm X quando voltou de uma
visita ao Islã: ‘Nem todo preto é irmão, nem todo branco é inimigo’. Ele
se deu conta de que o mal não está na cor da pele, no invólucro, na
aparência.”
O reggae é apenas entretenimento
Mas pode libertar mentes e almas
Dança e música com sentimento
Rolando sem ódio, rolando sem trauma
Não basta ser rasta
É preciso ser puro o seu coração
Não basta ser rasta, não
Pra obter graça é preciso perdão
Não basta ser rasta
É preciso estar certo da convicção
Não basta ser rasta, não
É preciso ser justo em sua razão
Da
Ghama foi cativado por essa mensagem, “porque exalta atitudes bacanas,
positivas, dignas”. As enormes carapinhas, ou dreadlocks, tidas como
sagradas pelos rastas, servem como referência:
“Essa música me leva
pra essa pensamento, de caras que usam dreadlocks mas não são rastas
autênticos, pois não respeitam o irmão, não respeitam a própria mulher
nem o planeta. Isso não bate com o propósito e o comportamento dos
rastas. O que realmente interessa não está no cabelo, no visual. Essa
música da Tribo é toda ótima, tem imagens lindas, tem o azul do Caribe e
o sol do Nordeste, nos faz viajar, mas é esse refrão provocante o que
me fez querer gravar, pra levar adiante essa ideia com a minha
interpretação. ”
Quis a vida que “Não Basta Ser Rasta” chegasse com tudo. Adiado pela pandemia, o lançamento do single acontece em um momento crucial, com o jogo das aparências rolando solto a bordo de fake news e negacionismo. Apontar o dedo, denunciar injustiças, exigir direitos – o reggae foi feito pra isso.
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